Em 1948, as Nações Unidas assinaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem, prescrevendo no art. 4º: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos são proibidos em todas as formas”.
O Código Penal Brasileiro de 1940, determinou em seu art. 149, que quem submete alguém a condição semelhante à de escravo está sujeito a uma pena de reclusão de dois a oito anos.
Mais adiante, no ano de 2003, o texto legal do art. 149, do Código Penal sofreu modificações, que estão vigentes até os dias atuais, para esclarecer que esta redução a condição análoga à de escravo consiste no domínio da pessoa a ponto de suprimir a sua liberdade e de comprometer a sua dignidade, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. A pena foi mantida, mas acrescida da possibilidade de multa, bem como da possibilidade de quem pratica o delito em comento ser também penalizado pela eventual violência correspondente (como lesões corporais, por exemplo).
Também a Constituição Federal de 1988 estabelece linhas gerais a respeito, quando determina que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante em nosso país, garantindo-se a livre locomoção dos indivíduos e vedando-se qualquer tipo de discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais. Por fim, a própria Constituição proíbe expressamente os trabalhos forçados no Brasil.
Então, fixadas estas premissas, devemos entender que este delito se caracteriza pela submissão integral da vítima ao poder de disposição do agente, privando a sua liberdade em sentido mais amplo, sujeitando-a, moral e fisicamente, ao seu poder.
A conduta de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a trabalhar pode configurar desde trabalho forçado (que isoladamente é tipificado como crime no art. 197 do CP), até sequestro e cárcere privado e mesmo redução a condição análoga à de escravo. Em qualquer caso a violência física também será objeto de punição.
Mas o que caracteriza o trabalho forçado? É quando não considera a vontade do trabalhador, que é submetido a várias formas de coação. A lei brasileira determina que a jornada semanal de trabalho em 44 horas. Aquela jornada que extrapola em muito este limite, contra ou independentemente da sua vontade, pode configurar o trabalho forçado.
Contudo, é preciso algo mais do que o simples cerceamento de ir e vir ou de rompimento do contrato para que se caracterize a situação análoga à escravidão. A escravidão se estabelece de forma sutil e complexa, com a participação de vários agentes e até com o consentimento da vítima.
A lei fala também de condições degradantes de trabalho, que são aquelas incompatíveis com a própria condição humana, em que a pessoa é praticamente reduzida à condição de “coisa”.
Já a restrição da liberdade de locomoção em razão de dívida ocorre basicamente quando o trabalhador é obrigado a residir no mesmo local de trabalho, normalmente um lugar afastado, remoto, onde por falta de outra opção ele também acaba tendo que fazer as suas compras mais elementares, como as necessárias à sua subsistência (alimentação, higiene, roupas, etc.), diretamente com o empregador, que geralmente aplica preços exorbitantes nos produtos, quase sempre superiores àqueles valores que seriam pagos pelo trabalho realizado pelo empregado.
A lei também considera conduta criminosa aquela praticada pelo empregador que impede o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, mantém vigilância ostensiva, exagerada, no local de trabalho, ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, para retê-lo, desta forma, no local de trabalho.
Por fim, a lei estabelece uma causa de aumento da pena, de metade, se o crime for cometido contra criança ou adolescente, ou por motivo de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Os principais órgãos de vigilância e fiscalização dessa prática são os Fiscais do Trabalho, Conselhos Tutelares, Polícias Militar e Civil. Por serem crimes que geralmente ocorrem na clandestinidade, afastados dos grandes centros urbanos, ou em locais ermos, de difícil acesso, o apoio do cidadão, através de denúncias, é fundamental para desbaratar esta prática nefasta, pois só assim, serão alcançados os transgressores, fazendo possível a aplicação da lei.
Ademais, quem é vítima do crime de redução a condição análoga à de escravo é geralmente impedido de ter o vínculo formal registrado na Carteira de Trabalho, o que impossibilita a contagem de tempo para a aquisição dos direitos à aposentadoria, seguro-desemprego, fundo de garantia, auxílio-doença, férias, 13º salário, entre outros.
É intolerável que, em pleno século XXI, ainda convivamos com tão odiosa prática, que deve ser exemplarmente punida, caso constata, bem como determinada a reparação dos danos à liberdade pessoal daí advindos.