Númeração Única: 0216397-36.2011.8.13.0000
Relator: Des.(a) PEIXOTO HENRIQUES
Relator do Acórdão: Des.(a) PEIXOTO HENRIQUES
Data do Julgamento: 25/10/2011
Data da Publicação: 11/11/2011
Inteiro Teor:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. ADOÇÃO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE ADOTANTES. PREVALÊNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 227 DA CF/88. RECURSO NÃO PROVIDO. I – Consoante preceito constitucional, o melhor interesse do menor incapaz deve sempre primar sobre qualquer outro, devendo ser sempre resguardados seu bem estar físico e psicológico. II – Já está jurisprudencialmente assentada a relativização da exigência de inscrição no Cadastro Nacional de Adotantes em face do princípio da prevalência do melhor interesse do menor. III – Estando a criança desde seu nascimento com casal que já lhe proporciona a proteção e o amparo necessários para seu bem estar físico e psicológico, ausente motivo grave ou excepcional a justificar a alteração de guarda, é de se manter decisão que evita mudança sabidamente tão traumática para a criança.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL N° 1.0480.11.005170-7/001 – COMARCA DE PATOS DE MINAS – AGRAVANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – AGRAVADO(A)(S): G.D.S. J.D.O. E SUA MULHER M.R.O. – RELATOR: EXMO. SR. DES. PEIXOTO HENRIQUES
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador BELIZÁRIO DE LACERDA , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 25 de outubro de 2011.
DES. PEIXOTO HENRIQUES – Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pelo Agravado o Dr. Sebastião Gontijo Gaspar.
O SR. DES. PEIXOTO HENRIQUES:
VOTO
Via agravo de instrumento, insurge-se o Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra decisão que, exarada em “Medida Protetiva de Colocação em Família Substituta” (guarda) por ele ajuizada em desfavor da mãe biológica G. D. S. e do casal adotante J. D. de O. e M. R. de O., indeferiu os pedidos liminares de busca e apreensão e guarda provisória da menor L. L. S..
Em síntese, aduz o agravante: que a busca e apreensão da menor junto ao casal adotante foi indeferida ao argumento de que “a adoção pretendida pelos requeridos é ‘intuitu personae’ não tendo que se observar o Cadastro de Adoção previsto no art. 50 do ECA”, bem como de que “diante de um conflito de princípios constitucionais é preciso aferir qual tem maior relevância, observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade”, e, ainda, que “no caso cabe mitigar a lei, para se observar o princípio do melhor interesse da menor, priorizando o direito de ela ser adotada pelo casal com o qual estabeleceu laços de afetividade”; que ditos fundamentos “são evasivos, quando não equivocados”; que a criança se encontra sob a guarda do casal há menos de dois meses, “prazo insuficiente para a criação de vínculo de afetividade suficiente para embasar a decisão que determinou sua permanência com o casal, em nome do melhor interesse dela”; que a decisão recorrida relega o cadastro de adoção; que o casal agravado sequer ajuizou ação de adoção ou qualquer outra ação; e, por fim, que no caso em tela “busca-se exatamente impedir a criação desse vínculo afetivo com o casal, que com sua conduta de pegar a criança um dia após seu nascimento, ainda no hospital, está na direção de burlar o Cadastro de Adoção previsto no art. 50 do ECA”.
Além do provimento, requereu a antecipação da tutela.
Bem instruído o recurso.
Desnecessário o preparo (art. 511, § 1º, CPC).
Indeferi a tutela antecipada recursal.
Vieram as informações requisitadas.
Sem contraminuta, por inexistente a formalização da relação processual no feito originário.
A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se às fls. 60/63-TJ, através do judicioso parecer do i. Procurador Geraldo de Faria Martins da Costa, opinando pelo desprovimento do recurso.
Dou por relatado.
Conheço do recurso, presentes os requisitos de admissibilidade.
Sua improcedência, entretanto, afigura-se inevitável.
“In casu”, mediante análise detida dos autos, verifico que o agravante insurge-se contra a decisão que lhe negou as liminares de busca e apreensão e de guarda provisória da menor L. L. S., lastreando sua irresignação apenas na burocrática necessidade de prévia habilitação e inscrição no Cadastro Nacional de Adoção daqueles interessados em adoção e, ainda, ao argumento de que “no caso busca-se exatamente impedir a criação desse vínculo afetivo com o casal” (fl. 05-TJ), porquanto dito vínculo criado em razão de permanência com o casal adotante autorizaria “a burla ao Cadastro de Adoção da Comarca” (fl. 03-TJ).
Nascida aos 03/02/2011, a menor é filha da primeira agravada (G. D. S.) e encontra-se sob a guarda do casal agravado (J. D. de O. e M. R. de O.) desde seu primeiro dia de vida.
Segundo o Dr. Rinaldo De Lamare, renomado pediatra, “estudos completos sobre recém-nascidos provaram que eles são muito mais espertos, sensíveis e influenciados em seu relacionamento com as pessoas e o ambiente do que se acreditava” (“in” A Vida do Bebê, Ediouro, p. 30) e, acrescenta, “tudo que acontece com uma criança desde o seu primeiro dia de vida pode influenciar, favorável ou desfavoravelmente, sua futura personalidade” (“op. cit”, p. 35).
Ora, o vínculo afetivo foi criado no primeiro dia de vida da criança, quando esta foi entregue pela mãe biológica ao casal agravado, em óbvia intenção de possibilitar a adoção “intuitu personae”. O que o passar do tempo fez foi aprofundar este vínculo, e, neste caso, conforme informado no “Relatório Psicossocial” apresentado às fls. 13/18-TJ, a criança se encontra saudável, vacinada e que o próprio “Conselho Tutelar, no intuito de deixar a criança sob proteção pessoal e social considerou oportuno, no momento de sua diligência, não realizar busca e apreensão da recém-nascida”, o que só confirma que a menor vem sendo bem cuidada, desde seu nascimento, com zelo, carinho, compromisso e proteção/amparo pelo casal agravado, motivo pelo qual se tem por prudente, neste momento, evitar alterar a rotina da criança, com idas e vindas e mudanças desnecessárias.
E, conforme bem salientado no parecer ministerial, da lavra do estimado e respeitado Procurador de Justiça Geraldo de Faria Martins da Costa, “não se pode deixar de considerar que os seis meses de vida da criança em convívio com o casal guardião é um período em que aquela demanda dedicação integral, o que estabelece um vínculo afetivo muito forte”, bem como que “o agravante alega apenas a infringência ao cadastro nacional de adotantes, não asseverando qualquer conduta que desabone os agravados” (fls. 60/63-TJ).
É imprescindível lembrar que o melhor interesse da criança é princípio norteador de todas as decisões que envolvam guarda e adoção de menores, de maneira que lhe sejam assegurados bem estar físico e psicológico, devendo-se ter em conta o superior interesse do infante, o qual deve primar sobre qualquer outro.
Tal princípio encontra base no preceito inserido na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu art. 227, que apregoa:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Balizado neste postulado constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº. 8.069/90) assim dispõe:
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Também destacando a importância do princípio do interesse do menor, leciona Guilherme Gonçalves Strenger:
“(…) interesse do menor é princípio básico e determinante de todas as avaliações que refletem as relações de filiação. O interesse do menor, pode-se dizer sem receio, é hoje verdadeira instituição no tratamento da matéria que ponha em questão esse direito. Tanto na família legítima como na natural e suas derivações, o interesse do menor é princípio superior. Em cada situação cumpre ao juiz apreciar o interesse do menor e tomar medidas que o preservem e a apreciação do caso deve ser procedida segundo dados de fato que estejam sob análise.” (“in” Guarda de Filhos, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 64)
De fato, a análise do processo deve ser feita considerando-se a legislação vigente. Contudo, é imprescindível considerar o ordenamento jurídico de forma sistemática em fiel observância, sobretudo, aos princípios constitucionais.
Partindo de tal premissa, conclui-se que o rigorismo legal (aplicação literal da lei) não pode e não deve prevalecer em casos nos quais, consoante remansosa doutrina, jurisprudência e costumes, impõem-se a adoção de medidas que assegurem a colocação da criança em convívio com pessoas que lhe dediquem carinho e cuidados tendentes à sua melhor formação como cidadã.
Assim, diante do caso concreto, a exigência legal de inscrição dos adotantes em cadastro nacional pode e deve ser relativizada, não constituindo requisito indispensável ao regular processamento do feito, pois, repita-se em exaustão: o que se busca, sempre e incondicionalmente, é o melhor interesse do menor e não a mera aplicação da letra fria da lei.
A propósito, eis a jurisprudência:
“AGRAVO REGIMENTAL – MEDIDA CAUTELAR – AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR – ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS, COM O QUAL FICOU DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA – APARÊNCIA DE BOM DIREITO – OCORRÊNCIA – ENTREGA DA MENOR PARA OUTRO CASAL CADASTRADO – PERICULUM IN MORA – VERIFICAÇÃO – RECURSO IMPROVIDO.” (AgRg n.º 15.097/MG, T3/STJ, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 06/05/2009)
“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO DE MENOR. ART. 50 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABILITAÇÃO E INSCRIÇÃO NO CADASTRO JUDICIAL. RELATIVIZAÇÃO DA NORMA. Nos termos do artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a medida de colocação em família substituta, através da adoção, deve ser precedida da necessária habilitação e inscrição do interessado no cadastro do Juízo. Havendo, contudo, circunstâncias no caso concreto que justifiquem a mitigação do preceito legal, deve ser processada a ação de adoção, ainda que ausente o prévio cadastramento. Recurso conhecido e provido.” (AC nº 1.0702.08.502543-6/001, 3ª CCív/TJMG, relª. Desª. Albergaria Costa, DJ 06/08/2009)
“DIREITO FAMÍLIA. MODIFICAÇÃO GUARDA. PREVALÊNCIA INTERESSE MENOR. Cediço é que, nos litígios em que estejam envolvidos interesses relativos a crianças, notadamente naqueles que envolvam pedido de modificação de guarda, o julgador deve ter em vista, sempre e primordialmente, o interesse do menor.” (AI nº 1.0024.08.168094-4/001, 5ª CCív/TJMG, rel. Des. Maria Elza, DJ 29/10/2009)
“ADOÇÃO – CRIANÇA – CADASTRO NACIONAL – INSCRIÇÃO – AUSÊNCIA – INTERESSE PROCESSUAL – CARACTERIZAÇÃO – VÍNCULO AFETIVO – INDÍCIOS – EXISTÊNCIA – PROSSEGUIMENTO DO FEITO – NECESSIDADE – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE MÁXIMA PROTEÇÃO À CRIANÇA. – O indeferimento da inicial, que visava à adoção de menor cumulada com destituição do poder familiar, não se justifica pelo simples fato de os adotantes não terem inscrição no Cadastro Nacional respectivo. Isto porque, havendo indícios de existência de vínculo afetivo com a menor, que se encontra sob seus cuidados desde os primeiros dias de vida, há que se dar prosseguimento ao feito, com a regular instrução, sobretudo em obediência ao princípio constitucional da máxima proteção à criança.” (AC nº 1.0317.10.006113-2/001, 1ª CCív/TJMG, rel. Des. Geraldo Augusto, DJ 19/11/2010)
Insta ressaltar, em situações como a descrita nos autos, imprescindível considerar a convicção do insigne magistrado “a quo”, que durante o processo está próximo às partes, em condições de avaliar com prudência o melhor interesse da menor.
Destarte, diante das provas coligidas aos autos constato que o melhor interesse da criança demanda a manutenção da sentença e o regular prosseguimento do feito, sem que se proceda à busca e apreensão da criança ou à alteração de sua guarda como pretendido pelo agravante.
Mediante tais considerações, contando com o reconfortante aval da d. PGJ/MG, decido pelo NÃO PROVIMENTO do agravo de instrumento, mantendo inalterada a decisão agravada.
Custas recursais “ex lege”.
É como voto.
O SR. DES. OLIVEIRA FIRMO:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. WASHINGTON FERREIRA:
VOTO
De acordo.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.