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Os crimes passionais: Uma análise jurídica dos crimes praticados em nome do amor - 27/05/2021

Não raras vezes, nos deparamos com notícias de crimes praticados dentro do ambiente familiar. Desde que o mundo é mundo, existem crimes passionais. Trata-se de fato jurídico cultural e mundial, presente em todos os povos, épocas e lugares, durante toda a passagem humana pela terra. Ao longo do tempo, aprendemos a conviver dia a dia com a violência como se fosse algo natural.
Existe, porém, um tipo de violência que ocorre na clandestinidade, quando a família se recolhe do restante da sociedade e fica sozinha. É justamente no ambiente que deveria ser de abrigo e cumplicidade que acontece uma nefasta prática: o crime passional.
A labuta advocatícia revela que ciúmes, dificuldades financeiras e drogas são as principais causas das desavenças e a principal causa é o álcool, pois, em esmagadora maioria das vezes, o agressor encontra-se em estado de embriaguez. Quem comete os crimes passionais, são geralmente pessoas muito impulsivas, que abusam do álcool ou drogas, são extremamente controladoras e, no momento que percebem na iminência de perder esse controle, adotam medidas inesperadas e violentas.
Geralmente, há uma progressão no comportamento do agressor, até desaguar na violência propriamente dita. Esses atos de desrespeito estão embutidos dentro dos valores dos cidadãos como coisas normais, como coisas da cultura. Tanto o homem quanto a mulher estão propensos a cometer crimes passionais, mas o número de vítimas do sexo feminino é alarmante e infinitamente maior que o contrário.
Cumpre ressaltar que a cultura do brasileiro é ainda muito machista, patriarcal e sexista, onde essas condutas são muitas vezes justificadas ou legitimadas por conta desse sentimento geral da sociedade. Várias são as estatísticas, cada uma mais espantosa que a outra, sobre a incidência dos crimes passionais. A violência doméstica é o principal motivo de morte e deficiência entre mulheres de 20 a 40 anos de idade e é responsável por mais mortes que o câncer e acidentes de trânsito.
Aquele antigo ditado que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” parece retratar bem a indiferença das pessoas com a violência de gênero. Certamente vocês, leitores amigos, conhecem pessoas que sofreram ou sofrem algum tipo de violência, mas, talvez a maioria de vocês nunca tenha orientado as vítimas a buscarem ajuda especializada.
E aqui eu não falo apenas de violência física. Existem também violências igualmente nefastas, que são as psicológicas e as sexuais. Muitas vezes as vítimas não têm condições materiais de romper uma relação. Há ainda a preocupação com a criação dos filhos, as crenças culturais, o medo de serem assassinadas após o término da relação e até mesmo a falta de autoestima.
Desse modo, infere-se que os crimes passionais possuem uma natureza muito própria, pois são originados a partir de um relacionamento composto por ciúme e violência, que, infelizmente, em casos reiterados, resultam em morte.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, os estados passionais não excluem a imputabilidade do agente, visto que não são classificadas como enfermidades mentais. Está previsto literalmente no Código Penal que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal. Ainda que a pessoa esteja sob o domínio total da emoção e da paixão, essa condição não afasta a sua culpabilidade. Continua sendo criminosa e reprovável a conduta do agressor nessas circunstâncias.
A legislação brasileira, atenta às mudanças sociais e culturais, apresentou grande avanço nos últimos anos, notadamente com a edição da Lei Maria da Penha e da Lei que incluiu ao Código Penal a figura do feminicídio no rol expresso dos homicídios qualificados.
Entretanto, ainda é muito pouco, pois o Estado ainda não é capaz de fornecer uma segurança suficiente às vítimas de violência doméstica, seja pela falta de um arcabouço eficaz de proteção, seja pela própria burocracia do sistema penal brasileiro, que não reduz os riscos da vítima após o momento em que oferece denúncia contra seu agressor, além de incutir na sociedade uma sensação de impunidade, que fomenta ainda mais os crimes e desestimula a procura da vítima pela necessária ajuda do Poder Público.
Para que esta realidade de fato seja alterada, deve ser implementada uma mudança de postura, respeitar as pessoas de modo geral independente do sexo ou opção sexual, em especial aquelas que vivem sob o mesmo teto, evitando a ideia de submissão e superioridade, pois o crime passional é um efeito de uma relação na qual o agressor acredita que tem um “poder ilimitado” sobre sua vítima. É inconcebível se matar por amor. O recado é que quem ama não mata. Não se deve desacreditar na lei e na justiça. Não se deve deixar de denunciar por medo e insegurança.
Deve o Estado promover políticas visando reduzir os riscos de que a vida seja interrompida por um crime passional. É necessário que a lei seja aplicada, para garantir que a vítima tenha o direito de sair de uma relação agressiva e que tenha a sua incolumidade física preservada. Só assim poderemos então fazer real o ideal do constituinte, quando afirmou que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Se você está em situação de violência, ou ainda se conhece alguém que esteja, não se acomode, procure ajuda. Busque a Central de Atendimento à Mulher – 180, Polícia Militar – 190 ou receba apoio psicológico gratuito através da Clínica de Psicologia UNIPAM – (34) 3823-0199. É um simples gesto que pode salvar uma vida.
Autor: Sebastião Gontijo
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